Não tenho muitos livros aqui onde estou, mas puxei o “Tudo e todas as coisas”, de Nicola Yoon e, por razões ideológicas, escolhi a página 13. Infelizmente ela só tinha um gráfico, então fui para a página 31 que é o dia em que eu nasci. Mas lá só havia uma palavra… Como o dia em que estou escrevendo esse texto é 21, temos um vencedor!

“Talvez eu esteja mantendo a esperança de que um dia, algum dia, as coisas mudem.”

É… Talvez eu esteja mantendo a esperança de que um dia, algum dia, as coisas mudem. Só isso seria capaz de explicar as razões pelas quais nada de novo acontece na minha vida: mesma casa, mesma rotina, mesmo emprego, mesma solidão – apesar do mesmo relacionamento de quase 10 anos.

Quem sabe nutrir essa esperança de que alguma coisa poderia mudar, assim, como mágica no melhor estilo conto de fadas, seja exatamente o motivo pelo qual tudo em mim e ao meu redor permanece estático, quase sem vida. Não que eu deixe de manifestar meu descontentamento: faço questão de exibir caras fechadas e apontar os erros das pessoas que me cercam. Se nada está bom e se tudo continua assim, a culpa é deles que não mudam nunca.

E eu me sentia superior pelo fato de não desistir de nada: manter meu trabalho, minha casa, meu relacionamento e minha rotina parecia ser um gesto de amor incondicional a tudo isso. Eu fico onde estou e com quem estou porque, lá no fundo, espero que algum dia as coisas mudem. Mas hoje isso começou a me incomodar.

Eu nunca havia cogitado que alimentar uma esperança poderia ser algo prejudicial. Ter esperança é algo positivo, não é? Afinal, viver na esperança de que alguma coisa mude parece ser o suficiente para manter alguém de pé: ter forças para tolerar mais um dia, mais uma decepção, mais uma crise de ansiedade, mais uma noite de insônia e, quem sabe, o amanhã traga a novidade desejada. Tolerar…

Mas o fato é que esse ciclo se repete dia após dia num looping eterno e a esperança, ao invés de me dar força, acaba drenando toda a minha energia e me colocando na condição de mera espectadora do filme chato que a minha vida se tornou.  A imagem que tive de mim mesma agora é a de uma senhora bem idosa enrolada num xale em frente a uma tv sem som, sem expectativa de mais nada a não ser esperar o fim de um programa insosso.

O estranho, porém, é que hoje me dei conta disso e sei exatamente o que acionou esse gatilho em mim: o bando de quero-quero barulhento que fica no terreno ali em frente. O escândalo da gritaria que faziam me enervou ao ponto de eu ir até o portão e esbravejar às pobrezinhas: “Ave irritante que não serve pra nada, parece que nunca dorme ou faz qualquer outra coisa além de gritar ‘quero! quero!’ Quer o que?? Se quer mesmo alguma coisa, vai atrás! Ficar berrando que quer não adianta nada!”

Congelei no mesmo instante em que acabei de gritar insandecida no portão. Alguns segundos depois olhei em volta e me senti aliviada e agradecida por não haver ninguém na rua (chovia bastante e eu estava encharcada). Ninguém me viu ou ouviu, e isso inclui os pássaros que continuaram berrando enfiados debaixo dos arbustos para se protegerem da chuva naquele terreno abandonado.

Corri para dentro de casa novamente, assustada não pela chuva, não pelas aves que continuaram gritando que queriam alguma coisa. Um pensamento me atingiu como um raio: a natureza é esperta, eles gritam sabendo o que querem e conseguem obter. Eles são simples, querem abrigo da chuva e estão abrigados, querem comida e comem, querem voar e voam.

Assim, me aterrorizou pensar que gritei para ninguém mais além de mim, colocando pra fora uma raiva guardada há tempo demais. Mais assustada ainda fiquei ao constatar que a raiva era de mim mesma, da minha inércia, do uso equivocado que fazia da esperança.

Corri para um banho quente, o que sempre faço quando quero chorar. Só que, desta vez, apesar da tristeza, não correu uma lágrima sequer. Meus olhos permaneceram estatelados debaixo da água quente, assim como os de um pássaro que não se incomoda com os pingos da chuva. Minha boca, semi-aberta, atestava meu estado de choque. Eu sou esse quero-quero que tanto eu critico…

Entendi que era hora de sair do ninho e voar. Tive medo de cair, me machucar, quebrar uma asa. Tive medo de sentir fome e frio, tive medo de aves maiores e de outros predadores. Tive medo de gritar ‘quero!’ sem saber exatamente o que queria. Mas sabia que a hora era aquela e não quis que a oportunidade escapasse das minhas mãos.

Saí do banho sacudindo as penas. Cisquei um pouco o chão e me ajeitei na poltrona mais confortável da sala, dei ordem a Alexa para tocar minha playlist favorita, e ali fiquei contemplando o lindo momento de saber exatamente o que eu queria naquele momento. Enchi uma taça de vinho e fiquei ali, sem sentir o tempo passar…

Estava leve e relaxada quando senti o beijo do marido na minha testa perguntando se estava tudo bem. Eu disse que sim e que eu havia tirado um tempo pra mim: “não temos janta hoje, não estava a fim de cozinhar”. Ele estranhou, lógico, mas me viu diferente de um jeito tão bom que me disse, olhando nos olhos: “não tem problema, pedimos uma pizza. Vou tomar um banho e nos encontramos no quarto, que tal?” E assim foi.

O tempo passou e eu continuo na mesma casa, mesmo relacionamento, mesmo emprego. Mas não na mesma atitude. E foi assim que tudo mudou, foi assim que aprendi a gritar “quero!” e ir à luta pra conseguir. Aprendi a sair voando e também voltar pro ninho, às vezes perco umas penas, às vezes brigo pela minha segurança, mas sempre atingindo meu alvo. Fico agora olhando grata pro quero-quero escandaloso do terreno ali em frente e – talvez você não acredite –  mas hoje ele me olhou de volta como quem me entende e levantou um vôo silencioso, na plenitude de ter cumprido seu papel por ali.