Você acordou e percebeu que tinha virado um bicho. Conte essa história e invente um desfecho surpreendente.

Que estranho… Tinha a impressão de que acabei de deitar, adormeci e em seguida acordei. Juro, não deu nem 10 minutos! Devo estar maluca, pois me sinto super disposta e descansada – a noite de sono deve ter sido muito boa. Uma espreguiçadinha, e já me levanto… Ora essa, é noite ainda? Coisa mais estranha, vou me levantar mas… cadê a cama? Cadê meu quarto? Cadê o chão???

Olhei para baixo e fiquei tonta, tamanha a altura em que me encontro. Tentei me segurar para não cair, mas descobri que tenho asas ao invés de mãos, e minhas penas apenas deslizaram pelo galho dessa árvore imensa onde, aparentemente, passei a noite. Então, percebi que caía para cima – voava!

Atordoada e sem entender coisa alguma, pousei sobre uma rocha enorme que ficava perto de um rio caudaloso. Fechei os olhos por alguns segundos na esperança e abrir novamente e ver que tudo havia sido um sonho esquisito, mas não, era tudo real. Tive certeza disso quando resolvi olhar ao redor para entender que lugar era aquele e, principalmente, o que eu era: fui capaz de girar a cabeça sem mover meu corpo e checar que estava em uma espécie de bosque e – pasmem – por mais absurdo que parecesse, eu era uma coruja.

Depois de alguns instantes de desespero, resolvi aceitar (ao menos momentaneamente) aquela condição animal em que me encontrava e decidi realizar um sonho que, talvez, todo ser humano conhecesse bem: abri minhas enormes e macias asas, dei um impulso e voei. A princípio muito temerosa mas, em seguida, tomada pela leveza e firmeza de quem nasceu exatamente para isso.

Voei o mais alto que pude, planando silenciosamente sob um céu estrelado e uma lua cheia brilhante. Jamais em toda a minha vida como humana havia experimentado tamanha liberdade! O vento suave passando entre as penas das minhas asas, a visão panorâmica que meus grandes e atentos olhos conseguiram capturar… inesquecível.

Voltei para o galho daquela árvore onde eu havia despertado nesta incrível metamorfose, cansada do vôo e maravilhada com tudo o que eu tinha visto e sentido. No entanto, aos poucos minha realidade anterior tomou conta de meus pensamentos e a lembrança da minha vida humana trouxe um misto de saudade, tristeza e medo de que tudo o que eu era e tinha ficasse preso no passado.

Absorta em meus pensamentos, fui surpreendida pelo vôo rasante de um gavião em minha direção, ávido por me levar em suas garras.  Tomada de medo, gritei um som de ataque e ericei minhas asas para afastar meu predador. Nessa hora, com a respiração ofegante, senti o abraço quente do meu marido me acalmando dizendo que estava tudo bem, que havia sido apenas um sonho.

E lá estava eu, de volta ao meu quarto, em minha cama. Tentei dormir novamente, mas não consegui. Passei o restante da madrugada pensando sobre aquele sonho louco, tão real para mim. Ainda podia sentir a brisa, ver o bosque iluminado pela lua e ouvir o barulho das águas daquele rio que corria sobre as pedras.

O sol batia na janela quando me levantei para mais um dia em minha existência humana. Ainda em êxtase, dobrei as cobertas, estiquei o lençol e, ao afofar os travesseiros, uma enorme pena alaranjada voou e caiu sobre o meu chinelo. Incrédula e com as mãos trêmulas, peguei o que seria a prova concreta de que meu sonho aconteceu muito além dos limites da mente, e a guardei entre as páginas do livro sobre a cabeceira da cama.

Desse dia em diante, meus dias são marcados pela ansiedade em chegar a hora do sono noturno na expectativa de uma nova experiência mutante. Enquanto isso não acontece, trago para a vida humana um pouco do que aprendi em meu curto tempo como coruja: procuro ‘voar’ acima das dificuldades, focar minha visão num plano mais periférico para enxergar belezas e possibilidades e, por fim, estar atenta aos predadores que – sim – sempre estão ao redor.

Às vezes me perco um pouco com as manias do ser humano e, quando isso acontece, seguro em minhas mãos o meu novo, macio e alaranjado marcador de páginas e, como mágica, sinto como se meus braços tivessem penas e eu pudesse voar. Sonho acordada desde então.