Escreva sobre a lembrança mais antiga da sua infância na terceira pessoa, como se fosse um narrador observando a cena de fora.

Proteger uma criança: esse é o meu trabalho. E olha… elas dão trabalho mesmo! Mas também são muito fofas e, olhar por elas, é algo que me dá muito prazer. Gosto de vê-la crescendo, é tão bonito acompanhar de perto sua evolução: os primeiros passos cambaleantes, as primeiras palavras, a curiosidade e o desejo de aprender e se comunicar.

Tenho que estar sempre perto, pois começar a andar também significa começar a cair. Preciso estar atento porque, na medida em que os passinhos se firmam, o mundo se alarga e se estende e cresce nela o desejo de ir cada vez mais longe.

E essa menina quer mesmo explorar o mundo. Ela observa atentamente os adultos ao seu redor, quer aprender com eles e imitar o que fazem. Mas ainda é tão pequena… não reconhece os perigos, não sabe das armadilhas das ruas. E, assim inocente, dá seus passinhos em direção ao desconhecido, certa de que para além dos portões da casa estará tão segura quanto no chão da sala, rodeada de brinquedos.

Ali, sentadinha, mexe suas panelinhas seguindo os mesmos movimentos da vovó que está na cozinha preparando o almoço. “Que coisa, acabou o tomate!”, resmunga a linda senhorinha de cabelos brancos que cuida dela com amor enquanto a mamãe trabalha.

Foi então que ela decidiu que poderia ajudar a vovó: levantou, pegou sua sacolinha colorida e estampada com personagens das historinhas infantis dos livros que ela amava folhear mesmo sem conseguir decifrar as letras embaralhadas que acompanhavam as imagens. Foi até a porta da cozinha e avisou a vovó que iria até a mercearia do seu Antonio buscar tomate.

A vovó riu, certa de que o mundo da imaginação de sua netinha de quase cinco anos de idade a levaria, no máximo, até o quintal e entrou no faz de conta: “oh, obrigada minha querida. Mas tome cuidado no caminho!”. Ela, então, abriu a porta e desceu as escadinhas do jardim. Abriu o portão da casa e saiu andando pela calçada, em direção à mercearia que ficava na avenida principal.

E eu fui junto, cercando de cuidados. Ela nem imagina que conta com a minha proteção, que fui eu quem ficou a seu lado limitando seus passinhos para que não atravessasse a rua e que tirei sua mãozinha do portão da vizinha cujo cachorro bravo latia assustando os desavisados que passavam por ali.

Acompanhei de perto quando virou a esquina em direção à avenida movimentada cheia de carros, bicicletas e desconhecidos. Fui eu quem alertou a dona Lídia, vizinha da vovó que voltava para casa justamente vindo da mercearia do seu Antonio, quando viu a pequena com sua sacolinha na calçada.

“Oi, querida, você não é a neta da dona Christina? Onde está indo, assim, sozinha?” Sem embaraço algum, ela explicou sua importante missão de comprar tomate para a vovó terminar seu almoço. Sabiamente, dona Lídia ofereceu um dos tomates que acabara de comprar, colocou em sua sacolinha cor de rosa, pegou sua mãozinha e a levou de volta para casa.

A avó, apavorada, já estava fechando o portão para sair em busca da pequena, quando avistou dona Lídia que, de longe, fez sinal para que ela se acalmasse – estava tudo bem! A menininha correu ao encontro da vovó, esticando os bracinhos para lhe entregar o tomate, orgulhosa de poder ajudar e resolver o problema culinário do dia.

Ela não entendeu muito bem o motivo pelo qual a vovó chorava enquanto a abraçava colocando-a no colo no caminho de volta para casa. Agradeceu com o olhar à dona Lídia e, com o coração, me agradeceu também.

Já em casa, segura novamente, a menina voltou às panelinhas que estavam no chão da sala enquanto ouvia a vovó, com voz trêmula, explicar que ela só poderia sair de casa novamente se ela ou o vovô, o papai ou a mamãe fossem junto.

Parece que ela entendeu. Balançou a cabecinha com um sim, chacoalhando os cachinhos do seu cabelo castanho. A vovó trancou o portão com um cadeado pela primeira vez, voltou à cozinha e terminou o almoço. E eu fiquei por ali, tranquilo, e com aquele sentimento feliz de dever cumprido, observando enquanto a menina brincava de cozinhar, até o momento em que se levantou porque “precisava de uma faca para cortar o bife para a sua bonequinha”. Voei (literalmente) até a cozinha para impedí-la de alcançar o perigoso instrumento mas, desta vez, a vovó estava atenta.

Respirei aliviado. Eu não era o único anjo que guardava aquela menina com amor…