O título é meio assustador… mas segue na leitura que eu te garanto que a história é fofa ❤️

“Preparem-se para um pouso de emergência!”, disse o piloto pelo sistema de som. Eu ainda estava um pouco sonolenta, naquele finalzinho do efeito do remédio para dormir e, por isso, levei alguns segundos a mais para entender o que estava acontecendo.

A viagem já durava mais de sete horas, muito cansativa por causa das fortes chuvas e das constantes turbulências durante o vôo. A tripulação passou boa parte da viagem sentada nas cabines com “o cinto afivelado” assim como todos nós, os passageiros. Estávamos todos tensos e com fome, já que o serviço de bordo ficou suspenso por causa das condições de vôo. Sem uma refeição decente e cansada por ter embarcado às 6h da manhã depois de dormir em albergues nos 15 dias de férias em Madrid viajando como mochileira, só me restava dormir.

As fichas finalmente começaram a cair quando atinei para a gritaria na aeronave e, rapidamente, chequei se o meu cinto estava mesmo fechado, levantei o encosto e estiquei um pouco o pescoço para ver o que estava acontecendo ao meu redor. Todos estavam muito assustados, tentando acalmar uns aos outros. Alguns poucos gritavam, desesperados mesmo. Crianças choravam, idosos rezavam. A maioria estava de olhos fechados e, não sei por que, isso chamou minha atenção.

Eu estava sentada na poltrona da janela e olhei para fora. Estava muito escuro, a não ser por umas nuvens parecidas com chumaços de algodão desfiado que esbranquiçavam o céu de vez em quando. Lembro de ter pensado que a situação não deveria ser muito ruim, já que não vi nada pegando fogo e, aparentemente, as peças do avião estavam todas em seus lugares. Olhei o relógio e, pelas minhas contas, ainda teríamos pelo menos mais umas 3 horas de viagem até São Paulo. Ou talvez mais, já que as dificuldades com o clima poderiam ter aumentado o tempo previsto para o vôo.

Tentei imaginar em que lugar do planeta estaríamos naquele momento mas, como geografia nunca foi o meu forte, desisti logo em seguida. Meu estômago roncou e então me lembrei que ainda deveria ter alguns amendoins dentro da bolsa e, quando me abaixei para pegá-la embaixo do banco, senti uma pressão forte nos ouvidos e tive a nítida impressão que a aeronave estava descendo de forma brusca.  Desisti de procurar a bolsa e me agarrei com força nos braços da poltrona, os ouvidos tinindo por causa do ar comprimido e dos gritos dos passageiros apavorados.

Estava assustada demais para perceber que esmagava a mão da senhora que estava sentada ao meu lado segurando o mesmo braço da poltrona que eu. Delicadamente ela mexeu sua mão tentando “escorregá-la” por debaixo da minha e só aí foi que me dei conta de que ao meu lado, durante toda a viagem, havia um simpático casal de velhinhos. Pedi desculpas pela indelicadeza de apertar sua mão quando, na verdade, queria pedir desculpas pela minha insensibilidade em nem ter percebido que ela estava ali o tempo todo. “Que pessoa horrível eu sou”, foi o pensamento que veio à minha mente e congelou minha espinha quando me flagrei que esse pensamento poderia ser meu último antes de morrer.

Minha catarse foi interrompida por uma nova mensagem do piloto informando que o avião tinha sido autorizado a fazer um pouso de emergência em um aeroporto qualquer de uma pequena cidade no nordeste do Brasil, não sei bem onde – eu estava atordoada demais para conseguir entender.

Fiquei estática, olhando assustada para aquela gentil senhora ao meu lado e ela, percebendo meu estado patético-catatônico, inverteu a posição das nossas mãos e, carinhosamente, segurou a minha para me tranquilizar. Pude então me acalmar um pouco e reparei que nós estávamos de mãos dadas assim como ela e o senhor que estava ao seu lado esquerdo também estavam. Os três, de mãos dadas, numa energia boa, bem diferente daquela que pairava na aeronave de um modo geral.

Mais alguns minutos e chegávamos ao tal aeroporto. Depois de um pouso difícil porém bem sucedido que provocou suspiros de alívio em todos nós, seguiram-se palmas efusivas ao piloto, elevado temporariamente à categoria de herói e salvador das nossas vidas.  Passadas essas fortes emoções, ficamos assentados em nossos lugares aguardando o desembarque. Foram cerca de 40 minutos até que fôssemos liberados e, durante esse período eu tive o privilégio de conhecer as pessoas mais doces e amáveis que vi em toda a minha vida.

Dona Augusta e Seu Rogério, paulistanos da “gema”, como eles mesmos se autointitularam, voltavam também de Madrid, onde passaram sua sexta lua de mel em comemoração aos 50 anos de casamento. Sim, uma lua de mel ao se casarem e mais uma a cada dez anos! Aquilo era inacreditável para mim, fora da minha realidade em todos os sentidos: não conhecia absolutamente nenhum casal que tivesse chegado aos 50 anos de casamento e, sinceramente, não poderia imaginar que fosse possível atingir esse marco trocando olhares apaixonados e de mãos dadas…

Fiquei meio sem palavras e só consegui dar os parabéns ao casal e suspirar murmurando o quanto gostaria de ter uma história como essa. Dona Augusta simplesmente sorriu para mim e com o olhar e voz mais sinceros que já vi, me garantiu que isso era perfeitamente possível e que tinha certeza que eu também completaria 50 anos de casada com uma pessoa maravilhosa que me faria muito feliz por toda a vida. Eu sorri de volta, incrédula, mas agradecida pelo carinho sincero dessa senhora gentil, desconhecida e certamente muito otimista.

Muito sensível, d. Augusta percebeu minha falta de fé e me disse de forma decidida: “o segredo de uma união tão duradoura? Nenhum, simplesmente não existe segredo algum!” Talvez por causa da piada marota da idosa ou, então, por conta da minha cara de espanto, tanto ela quanto s. Rogério caíram numa gargalhada tão gostosa que acabei rindo também. O papo seguiu mais descontraído e muito instrutivo para mim que, aos 25 anos de idade nunca havia namorado alguém por mais de seis meses consecutivos e que, jurava “de pé junto” que nunca se casaria.

Ouvia as histórias que eram contadas pelos dois, um ajudando o outro a se lembrar melhor dos casos ou corrigindo partes em que um deles se enganava na narrativa. Mas o que mais me impressionou foi ouvir os planos que eles já tinham para a próxima lua de mel! Duas pessoas beirando os 70 anos de idade acreditando mesmo que ainda estariam juntos nos próximos dez anos comemorando bodas de 60 anos de casamento. Lá no meu íntimo torci para que conseguissem.

As portas do avião se abriram e os passageiros foram saindo felizes da aeronave um a um. Eles primeiro, por causa da idade. Nos despedimos com um abraço daqueles que só os grandes e velhos amigos de longa data são capazes de dar. Eu fiquei olhando eles irem embora, encantada com o carinho e o cuidado deles, ajudando com as bagagens, facilitando a passagem, sorrindo um para o outro. Fui a última a sair do avião, sem pressa alguma. Fiquei ali sentada, repassando cada minuto dessa experiência inesquecível e sonhando em ter eu mesma uma história de amor assim tão linda…