Imagine que você é alguém que conhece você muito bem. Escreva um texto sobre você, como se você fosse essa outra pessoa

Bom dia, Elisa, como está você? Não, não me responda. Eu sei como você está só de olhar pra você. Sei pelos seus olhos, pelo jeito que seu cabelo está arrumado ou desarrumado, pela sua postura.

Hoje você está cansada. Não de um cansaço físico, fruto de um esforço qualquer de seus braços e pernas. Seu cansaço vem de dentro, vem da sua mente, vem da alma. Eu sei disso porque conheço sua luta interior. Eu sei que você acorda todas as manhãs decidida a fazer um dia melhor para você e para os outros. Você lê a Bíblia, ora e medita buscando alimentar seu espírito e trazer luz para o dia que começa. Faz Tai Chi e se dedica em criar bons pensamentos pra deixar a vida mais bonita primeiro de dentro pra fora.

Depois se prepara pra deixar as coisas melhoras de fora pra dentro, arruma as coisas ao seu redor, deixa a casa mais limpa e mais cheirosa. Tira as coisas do caminho pra não tropeçar e cair, fecha as portas pra não esbarrar nos móveis e portas de seu pequeno espaço de trânsito e, assim, tentar não deixar os braços cheios de marcas roxas de batidas evitáveis. Você liga o som e dança enquanto cozinha e perfuma a casa de temperos e aromas.

Você se assenta à mesa com um misto de gratidão e culpa: é grata por seus privilégios, mas sabe que às vezes abusa deles e foge da balança pra não ver os números crescentes que ela mostra. Sente culpa e tristeza também pelos que não tem nada em suas mesas. Busca formas de ajudar algumas dessas pessoas, e faz isso do seu próprio sofá, com doações possíveis pela internet.

Tem feito isso com mais frequência agora que não sai de casa nessa eterna quarentena que poucos levam a sério no seu país. Sei que você está com medo da doença mas, como eu te conheço bem, sei do medo que você tem das pessoas em geral. Elas não são confiáveis, elas mentem, te traem pelas costas, invadem seu espaço. Ao mesmo tempo desconfiam de você, desacreditam do seu potencial e das suas intenções, te acham desonesta e se afastam de você. E você concorda com elas em muitos momentos…

Relacionamentos são difíceis pra você: você é tímida, fechada, introvertida. Tem poucos amigos e amigas, já que você não consegue se calar diante daquilo que acha errado e injusto, e essa é outra característica que deixa sua luta interior ainda mais acirrada. A decisão entre calar e falar é sempre uma batalha difícil. Você aprendeu muita coisa a esse respeito, suas crises te ensinaram a escolher a forma mais suave de dizer e o momento mais tranquilo para abordar. Mas, se tem uma verdade que insiste em aparecer todas as vezes em que você se posiciona de forma contrária a algo ou a alguém é esta: a forma suave e o momento certo não existem – ninguém gosta de ser cobrado ou contrariado. Nunca. Nem você.

Foi mais fácil, então, se afastar e deixar as relações no nível superficial. Você até que é bem humorada em boa parte do tempo, é inteligente e faz comentários divertidos. Estava indo bem em manter as coisas assim até um certo verme tomar posse em Brasília e, algum tempo depois, um vírus se espalhar pelo mundo. Aí então o ambiente de morte te pegou de jeito, te cercou por todos os lados e, então, aquela sombra escura que está dentro de você (e está dentro de todos, eu sei), cresceu quase que de maneira incontrolável.

E essa sombra tem o poder de tornar gigante o medo que você tem de você mesma: ela diz que você não faz o bastante, não sabe o bastante, não crê o bastante. Ela te diz que você é uma fraude em muitos sentidos, que erra mais do que acerta e que, mesmo sendo um lixo, ainda tem o topete de se achar melhor do que os outros. Essa sombra te lembra o quão egoísta e insensível você é, além de ser ingrata, pois não merece nada do que tem. Ela te diz que você é muito negativa, tóxica. E o que está por dentro de você nada mais é do que um eco do que você vê e ouve por fora. E vice e versa, num amálgama sem fim.

E em meio a essa guerra entre a luz e a sombra que te cercam e te inundam por dentro e por fora, você agora se sente sozinha: ao seu redor, quase ninguém te entende e ninguém quer te ouvir e, por dentro, a nuvem escura quer engolir seus pensamentos, seus sentimentos, seus sonhos e planos. E, por isso, você está cansada, esgotada, entregue.

Todos os dias você se esforça para lançar mão de tudo o que você conhece sobre Deus, sobre a vida, sobre paz, sobre amor e sobre o bem que você tem em si mesma para usar as armas certas e vencer a escuridão interna que deseja te fazer cair e a boa notícia é: você está conseguindo. Embora não pareça em alguns momentos, você está vencendo um pouco a cada dia.

Eu te conheço e sei que você tem tudo o que precisa para ser feliz, “um dia depois do outro”, bem desse jeitinho que você escreveu na porta da sua geladeira há tanto tempo atrás. Você já sabia que a luta era diária e que ela não era só sua. Quero te dizer que você está no caminho certo, você é forte e usa o que aprende a seu favor. Quero te pedir que continue acreditando em si mesma, em Deus e nas pessoas que sabiamente tem escolhido para que te acompanhem na jornada.

Não se culpe por serem poucas, elas são suficientes, são as certas e não vão te abandonar, assim como você não irá abandoná-las nunca. Eu te conheço e sei que você é fiel àqueles que andam com você ou que, de alguma forma, precisarem de você na caminhada. Você é fiel às suas crenças e seus valores.

Embora esteja cansada hoje, você sempre sabe onde encontrar os “pastos verdejantes e as águas tranquilas” que te restauram. Você se renova todos os dias e é assim que a vida segue. Eu te conheço bem, você é vencedora. Mais que vencedora, aliás.

Bom dia, Elisa.