Escreva uma história iniciada com uma frase extraída de uma música brasileira de que você gosta

Ainda lembro o que eu estava lendo, só pra saber o que você achou dos versos que eu fiz, e ainda espero resposta. Estávamos na antiga sétima série e “Escaravelho do Diabo” era a leitura da vez nas aulas de Português: toda a turma precisaria ler e depois resenhar, como nota parcial da disciplina.

O que para muitos era um fardo, para mim, era um dos melhores exercícios para os meus estudos juvenis. Como era prazeroso ler toda a Coleção Vagalume! Ler sempre foi uma espécie de viagem para mim desde que, muito precocemente, aprendi a ler aos 4 anos de idade acompanhando uma prima mais velha em seus estudos na casa da vovó, onde ficávamos enquanto nossos pais trabalhavam.

As fábulas com suas lições de vida, os contos de fadas com príncipes, princesas e vilões… O universo literário me fisgou ainda bem pequena e me acompanhou durante toda a adolescência e juventude, quando fui atraída por histórias policiais mais densas, que instigavam meu raciocínio no empenho de solucionar os crimes relatados nesses livros (obrigada, Agatha Christie!).

O hábito da leitura expandiu meus horizontes de pensamento crítico, acalentou minha alma em muitos momentos de refúgio e me conduziu ao desejo de também rascunhar algumas linhas onde pudesse expressar sentimentos e ideias que habitavam dentro de mim. Comecei então, a escrever meus diários, relatando para mim mesma os acontecimentos do dia e colocando no papel toda a carga emocional que eles provocavam em mim.

Com o tempo, os diários deram lugar aos cadernos de poesia, de contos não acabados, de frases que ficavam registradas para um dia serem aproveitadas em textos que eu nunca escrevi. E, aos poucos, acabaram sendo esquecidos na idade adulta.

Mas aquele dia da sétima série ficou guardado na lembrança de uma forma muito especial. Ao entrar na classe, percebi uma colega de turma sentada em um dos cantos da sala, quase encolhida, envolta por uma tristeza tão densa que era quase possível de se pegar com a mão. Quando me viu, rapidamente começou a secar suas lágrimas e procurou sentar de forma ereta como se tudo estivesse, enfim, sob controle.

Ao final da aula, na hora do intervalo, fui até ela e perguntei se estava tudo bem e, apesar de ter o controle de suas emoções, ela respondeu que não, e me contou como se sentia sem dizer exatamente o que a deixava assim triste e desanimada. Logo em seguida, ela se levantou e saiu da sala para o intervalo.

E eu fiquei na sala, sozinha, pensando em como eu poderia sinalizar que eu estava ali, caso ela precisasse. Arranquei uma página do meu caderno ‘universitário’ e escrevi um poema sobre a tristeza, a amizade e sobre a vida. Deixei em cima da carteira dela e voltei para a minha, lanchando ali mesmo enquanto lia mais algumas páginas do livro até que os colegas voltassem para a classe.

Vi quando ela entrou, já mais animada e aparentemente leve. Não fiquei olhando para trás, apesar da curiosidade em saber qual seria sua reação quando lesse os versos que eu fiz. As aulas transcorreram até o seu final e, enquanto eu guardava minhas coisas na mochila, fui surpreendida por um abraço rápido e silencioso, mas cheio de gratidão. Nunca mais falamos sobre o assunto e acho mesmo que nunca mais nos falamos sobre nada. Ela não fazia parte do meu grupo de amigos, formava outra turma – a das ‘poderosas’ da sétima série – enquanto eu tinha amigas e amigos menos influentes, por assim dizer.

Mas, nas poucas vezes em que nos cruzamos nos corredores ou até naqueles círculos que os professores gostavam de fazer com nossas carteiras em suas aulas de vez em quando, eu podia ver a ternura com que me olhava, mesmo que fosse apenas por alguns segundos. E essa resposta, para mim, foi o bastante.

Música: Resposta, Skank.