Uma história com gostinho de infância…

“Domingo vamos ter nhoque!”

Esse anúncio da mamãe prenunciava um evento familiar do qual nunca vou me esquecer, era um verdadeiro ritual desenvolvido entre ela, eu e minhas irmãs. O preparo do “nhoque de domingo” envolvia diferentes etapas que eram realizadas em conjunto e que garantiam um sábado de trabalho e diversão para todas nós.

Primeiro, íamos à feira para comprar as batatas. Elas precisavam ser grandes e bem limpinhas, sem nozinhos ou manchinhas escuras, porque assim não precisaríamos “cavar” buraquinhos para retirar. Alguns ingredientes para o molho, como tomates bem vermelhinhos, cebola, alho e cebolinha, também vinham da feira.

Ao chegar em casa, minha mãe descascava as batatas, já que o uso da faca não era permitido para nós, crianças. Mas eu me lembro bem do quanto me senti empoderada ao descascar pela primeira vez anos depois, causando inveja e protesto das irmãs mais novas.

Enquanto a mamãe tirava as cascas do tubérculo, eu e minhas irmãs lavávamos os tomates e os verdinhos para o molho. À caçula cabia a tarefa de ir ao armário pegar outros ingredientes como a farinha de trigo, a latinha do extrato de tomate (que ela adorava por causa do elefantinho da embalagem), o sal, etc.

Batatas no fogo, folga para as meninas brincarem um pouco enquanto cozinhavam e esfriavam.  A próxima fase era uma das mais divertidas: hora de espremer os batatões! Mamãe cortava em pedaços menores enquanto a caçula buscava o espremedor – uma espécie de copo de metal cheio de buracos onde encaixava uma haste com a ponta redonda e achatada com a qual as batatas eram amassadas e os fiozinhos cozidos saíam pelos buraquinhos para dentro de uma tigela onde seriam acrescidos de ovos e farinha de trigo para formar a massa. Eu e minha irmã do meio nos revezávamos na ‘espremeção’ e, confesso, ela tinha mais força na mão do que eu e, por isso, se achava a campeã mundial da modalidade “espremedora de batatas”.

Mais um pequeno intervalo para as ajudantes mirins enquanto a massa era preparada. A uma certa altura, já maiorzinha, abria mão das brincadeiras com as meninas para observar o trabalho da mamãe e aprender como se faz um bom nhoque: “conforme a gente vai colocando a farinha, precisa provar o sal – a batata é chatinha pra salgar – vamos colocando aos poucos até ficar com o sal na medida. Outra coisa: a massa precisa ficar leve, por isso precisamos controlar a quantidade de farinha: nem menos para a massa não desmanchar no cozimento, nem mais para não cair como um tijolo no estômago”. Eu ouvia e olhava tudo com muita atenção.

“Meninas, hora de preparar a mesa”, e elas vinham correndo do quintal e eram levadas até a pia do banheiro para lavar as mãos antes de voltar ao trabalho. Essa etapa era a mais lambancenta de todas e deixava a mesa da cozinha interditada até a hora do almoço de domingo. A mesa toda era enfarinhada: do lado que a mamãe ficava, ela manipulava a massa com as mãos formando longos canudos que colocava um pouco mais adiante no lugar onde eu e minhas irmãs ficávamos com uma faca de mesa, apenas para ir cortando aqueles fios de massa e ir formando os cubinhos da delícia do domingo.

Enquanto uma de nós cortava, a segunda ia amassando os cubinhos levemente com um garfo e  a terceira ia polvilhando mais farinha de trigo por cima, para não colar na toalha que mamãe jogava por cima enquanto o nhoque ‘descansava’ até o dia seguinte. O molho era totalmente por conta da mamãe, que também já o deixava prontinho no sábado à noite, isso porque o domingo de manhã era religiosamente dedicado à escola dominical na igreja que frequentávamos como família.

Ao chegarmos em casa, famintos, a força tarefa era retomada, com as meninas passando os cubinhos para uma tábua de carne enfarinhada e levando até a mamãe para cozinhar, limpando os pedaços livres da mesa e, aos poucos, colocando pratos e talheres até que, enfim, ela estaria posta com uma linda travessa de nhoque ao molho bolonhesa cheio de queijo ralado por cima. Ah, quase ia esquecendo: o queijo era ralado em casa mesmo, naquele triângulo com diferentes lâminas de corte em seus três lados. Aos domingos tinha refrigerante na mesa também. Só aos domingos.

As facilidades da vida moderna acabaram me deixando um tanto preguiçosa e, hoje, não preparo mais o nhoque como aquele da minha infância. Não posso negar, entretanto, que cada vez que como um bom prato dessa massa, as lembranças gustativas são acionadas e, imediatamente, as boas recordações da minha infância enchem meu coração do conforto que essa receita me traz. “Comfort food”, eles dizem. E é isso mesmo o que o nhoque é para mim.