É um exercício, mas também é um sonho…

Escreva uma história curtinha que comece pelo fim

Tudo pronto: sobre a mesa com a discreta toalha rendada em tom pastel, de um lado, o vaso com flores que trazem vida com suas cores fortes; ao meio, uma caneta bonita que desliza bem sobre o papel e favorece minha escrita e, na outra ponta da mesa, a tão sonhada pilha de livros para autografar.

Do outro lado da sala, um balcão arrumado para receber um pequeno buffet: garrafas de café, suco e água, alguns salgados e doces, taças de champagne para brindar, em petit comité, este que pode ser o momento mais esperado da minha vida nos últimos anos. Aqui em casa mesmo, com um grupo de amigos fiéis e amorosos que corajosamente se dispuseram a comprar e ler a linhas mal escritas da história que me dispus a contar.

Eu me arrumei também, de um jeito simples e casual – camisa, calça jeans e um salto baixo – na tentativa de disfarçar o nervosismo e de fazer de conta que, afinal, o evento é importante, mas nem tanto. Pura mentira, completa desfaçatez. Estou eu aqui travestida de uma nova personagem especialmente criada para esta ocasião: a escritora blasé e descolada.

As mãos suam só de lembrar o tempo que levei para acreditar em mim mesma, para decidir escrever a primeira página, reescrita mil vezes depois. Quantas telas em branco, ausência de ideias, indecisão na criação dos diálogos, na descrição das cenas… Qual o fim mais apropriado? Mato essa personagem ou não? Está profundo demais? Raso demais?  Foram muitas as crises e as lutas contra a famosa síndrome de impostora para chegar até aqui.

Certamente tive dias de inspiração fácil quando as palavras pareciam pipocar em uma sequência que, aparentemente, fazia pleno sentido. Esses dias eram mais leves, mais felizes. Mas, em uma grande parte desse processo, a inspiração deu lugar à disciplina, ao estudo, a um esforço de superação do vazio de ideias e ter como resultado algumas páginas ruins que, ao final, puderam ser revisadas e, muitas vezes, aproveitadas. Em alguns dias, exigia muito de mim mesma e o cansaço era pesado. Em outros, simplesmente, me entregava ao fluxo possível – grande ou pequeno e, agora,  aqui estou.

Me lançar nesse projeto abriu caminho para o meu auto-conhecimento: ajudou a entender meus sentimentos, minhas reações, a respeitar meus altos e baixos e, principalmente, a me manter focada para atingir o alvo que hoje tenho à minha frente. Sou uma pessoa muito diferente daquela que ousou colocar a primeira letra nessa história. Esse processo fez parte da minha vida, de quem eu sou hoje, e gratidão define.

Enquanto enxugo os olhos com cuidado para não estragar a maquiagem, escuto vozes do lado de fora da casa – está na hora! Me levanto rapidamente, respiro fundo e checo novamente a mesa coberta pela toalha rendada com meus livros empilhados e, enfim, sinto que tudo está onde deveria estar.