Escreva sobre uma experiência recente em que você fez algo pela primeira vez (se não lembra de nada assim, faça algo que nunca fez e depois escreva a respeito!)
Minha infância foi marcada por muitas mudanças de casa, mas este não é o tema principal desta história. Morávamos sempre de aluguel e, a cada 3 ou 4 anos, costumávamos encaixotar nossas coisas, desmontar nossos móveis e partir para outras casas, às vezes, em outros bairros.
As lembranças mais fortes que tenho desse tempo são as constantes mudanças de escola e de vizinhança. Era difícil para mim ter que iniciar amizades do zero em diferentes lugares e, claro, isso deixou marcas na minha personalidade que trago até hoje: desapego fácil das pessoas que, por qualquer motivo, saem da minha vida e, por outro lado, sou muito reticente com novos relacionamentos de amizade. Mas vamos deixar esse tema para outra postagem 😉
A história de hoje nos leva até os meus nove anos de idade, quando fizemos uma mudança bem diferente: sem muitas caixas ou desmontagem de móveis, apenas fizemos nossas malas e saímos da cidade, ou melhor, do estado!
Meu pai trabalhava como vendedor de peças para tratores e a empresa onde ele atuava abriu uma filial em Manaus, capital do Amazonas. Isso aconteceu no início da década de 1970, quando começou a ser construída a famigerada Transamazônica, uma estrada que, reza a lenda, levaria ninguém a lugar algum…
Papai foi, então, transferido para a filial amazonense e, assim eu, mamãe e minhas irmãs voamos até Manaus. Lembrando dessa viagem me dou conta de que tenho duas experiências de “primeira vez” para contar aqui: essa primeira viagem de avião foi uma das coisas mais excitantes da minha infância. O friozinho na barriga, o glamour da equipe de bordo nos servindo comes e bebes, as cidades pequenininhas vistas lá do alto… inesquecível! Sentei na poltrona da janela, exatamente onde ficava uma das asas do avião. Lembro de não tirar meus olhos dos flaps que subiam e desciam, apavorada por achar que a asa estava quebrada e que, por isso, eu não chegaria a completar meus dez anos de idade…
Enfim, saibam que eu morei em Manaus por dois anos incríveis: fiz muitos amigos dos quais tive que me despedir com o coração partido, conheci lugares lindos, tomei muito tacacá e aproveitei essa experiência o máximo que pude. Me lembrem algum dia de contar as peripécias desse meu período em terras amazonenses.
Muitos anos se passaram, outras tantas mudanças de casa e de estado aconteceram e agora, já adulta, tive a oportunidade de voltar à Manaus para um breve período de lazer. Revisitei a rua onde morava, fui a uma sessão musical no Teatro Amazonas (lindo demais!), passei pela Biblioteca Pública, pela escola onde estudei, tomei tacacá e, desta vez, fiz algo que nunca havia feito na vida: vivenciar uma experiência indígena na floresta amazônica – e é essa a minha história de hoje.
Experenciar uma aldeia indígena em pleno Amazonas foi algo que exigiu de mim a superação de um medo adquirido ali mesmo, na minha infância: o medo de navegar. Quando morávamos em Manaus, frequentávamos uma espécie de clube onde havia uma piscina feita de tábuas de madeira dentro do Rio Negro.
Adorava nadar ali e, como a maioria das crianças de nove anos, mergulhava solta e sem medo até o dia em que, num desses mergulhos, pisei no fundo da piscina e meu pé esquerdo ficou preso entre o vão das tábuas por alguns segundos desesperadores, até que consegui me soltar e voltar à tona. Depois desse susto e durante todo resto da minha vida até meu retorno turístico a Manaus, nunca mais entrei em piscinas nas quais a água ultrapassasse a altura dos meus ombros e nunca – nunca mesmo – entrei em um barco de qualquer tamanho.
No dia do passeio, acordei com dores pelo corpo, náuseas e tremores nas mãos. Tudo porque era preciso pegar um catamarã (uma espécie de embarcação) para cruzar o rio e chegar até a ‘floresta’ onde a tribo vivia. Pedi a Deus que me ajudasse por dois motivos: primeiro porque queria encarar de frente o bicho papão que me impedia de navegar e, segundo, porque não queria ser a única da turma de amigos que ficaria no hotel enquanto os demais se divertiam.
Suei frio até a chegada no píer onde o barco nos esperava, compramos os ingressos e entrei com a maior cara de paisagem, fingindo que não estava morrendo por dentro. Mas foi mágico: em poucos minutos esqueci onde estava e pude aproveitar o trajeto admirando a perfeição da divisão dos rios Negro e Solimões com suas cores distintas, o céu azul claro e limpo, batendo um gostoso papo ‘cazamiga’.
Enfim, chegamos a uma praia do rio e subimos um pequeno aclive para sermos recepcionados por um simpático indígena que nos deu as boas vindas e nos guiou por uma trilha no meio da mata, onde nos mostrou árvores centenárias e outras plantas, até chegarmos a uma clareira onde havia uma banquinha com alguns produtos indígenas que – para minha inadequada estranheza – aceitava pagamentos com cartão.
Um pouco mais adiante chegamos à última parte de nosso passeio: uma oca gigante onde vários membros da tribo Dessana nos aguardavam. Homens e mulheres adultos e idosos, jovens, adolescentes e crianças – todos devidamente paramentados e prontos para nos mostrar algumas de suas tradições com músicas e danças, das quais participamos daquele jeito de gente branca desajeitada.
Aprendemos truques contra mau olhado, fizemos pinturas no rosto e, os mais corajosos, saborearam iguarias da cozinha indígena como formigas fritas. Eu não, claro.
Voltamos para a praia onde o catamarã nos esperava e fizemos o trajeto de volta felizes e cansados. E eu tive a bênção extra de voltar pra casa mais leve por ter devolvido ao Rio Negro o pesado fardo do medo de águas que carreguei por anos a fio.
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