Passei pelo espelho hoje e vi minha mãe – de novo. Isso é muito comum, nunca vi alguém ser tão parecida com a mãe quanto eu. E não sou só eu que acho isso, pode perguntar para qualquer um que a tenha conhecido. É quase consenso nacional…

Mas hoje foi um pouco diferente, isso porque minha imagem refletida está ficando, a cada dia, mais igual às últimas imagens que tenho dela em minha memória, antes dela nos deixar aqui neste plano e encontrar a eternidade que ela tanto sonhava alcançar.

Não me assustei com meu rosto refletido. Sei que estou envelhecendo e estou chegando naquela fase da vida em que o corpo se transforma pra nos deixar com a cara dos nossos ancestrais e nos fazer lembrar deles com mais frequência.

Eu acho que isso é um pouco divino, aliás, porque a gente já andou tanto para a frente e, ao mesmo tempo, ainda tem uma memória viva da nossa infância, dos nossos antepassados… Me confundo no espelho com a minha avó materna às vezes também: herdei tantas características físicas das mulheres espanholas que me geraram que é impossível negar minhas raízes.

Negar? E quem disse que eu quero isso? Não, não, pelo contrário. Tenho muito orgulho de ser quem eu sou e carrego comigo o sentimento de gratidão porque, se sou a Elisa italiana que trago do meu pai, sou também a Cristina espanhola que saiu da minha mãe.

E foi por isso que hoje eu a vi de um jeito especial e com saudades ainda maiores. Naqueles poucos segundos que estive em frente ao espelho enquanto me levantava da cama pela manhã, uma pergunta brotou na minha mente e me fez parar mais um pouco diante dele e – sem trocadilhos – refletir:

“Mãe, vc está orgulhosa de mim?”

Esse não foi um questionamento como o de uma criança insegura, ou de uma adolescente indecisa, nem mesmo de uma mulher adulta arrependida de sei lá o que. Mas, assim como seria para elas, foi a pergunta de uma idosa, aposentada e avó que gostaria muito de poder olhar nos olhos da sua mãe – que hoje seria muito mais idosa e bisavó – e, de alguma maneira, enxergar neles a aprovação amorosa de quem sempre a inspirou em tantas coisas.

Corri fazer as contas para saber quantos anos ela teria hoje se estivesse entre nós: seriam 85. Não seriam muitos, não é verdade? Mas ela não conseguiu chegar mais longe do que os 70 e poucos que tinha quando o câncer impiedoso bateu o martelo e achou que estava na hora do seu fim.

Se ela estivesse aqui, acho mesmo que eu daria uma ligadinha pra perguntar… Passei o dia todo pensando nisso e imaginei que sim, ela estaria incrivelmente orgulhosa de mim apesar dos meus tropeços. Ela tinha um orgulho enorme da carreira que eu construí, tipo, era meio que uma fã de tudo o que eu fazia. Não cabia em si de alegria quando sabia que eu iria palestrar em algum congresso, dar uma entrevista na tv sobre meus projetos, e achava incrível quando um artigo meu era publicado.

Dediquei minha dissertação de mestrado pra ela… E agora, mãe, estou aposentada mas ainda cheia de planos e projetos que quero realizar enquanto ainda me for prazeroso.

Mas é certo que ela acharia o máximo as minhas viagens ao exterior. Ela sempre dizia que se realizava nas coisas que não conseguiu fazer quando seus filhos conseguiam. Ela queria ser professora e dizia que era um pouco por minha causa. Bem, mãe, já te levei por muitos lugares lindos e prometo te levar pra tantos outros ainda.

Ela seria apaixonada pelo meu filho, minhas filhas e suas famílias, se encheria de amor ao ver como são lindos e amorosos, e se derreteria com as minhas netas. Ela daria suspiros ao ver como eu e o Ari ainda nos amamos apaixonadamente e como nosso casamento é tão bom. Sim, mãe, eles e elas são o amor da minha vida todinha.

Quando estava entre nós, ela enchia os olhos de emoção ao me ver liderando qualquer coisa na igreja ou acompanhando o Ari nas suas viagens ministeriais. Na verdade, acho que hoje em dia ela teria mais preocupações do que orgulho a respeito dessa área da minha vida, nesse quesito creio que receberia muitos conselhos e tempo gasto em oração por mim… Bom, mãe, vivencio minha fé de um jeito muito diferente e talvez você não aprovasse a forma como eu vejo a religiosidade hoje em dia.

Mas, pensando bem, eu realmente acredito que ela estaria orgulhosa de mim apesar dessa provável decepção quanto à esse “desvio”. Eu sei que, lá no fundo, ela se orgulharia da maneira corajosa e crítica com a qual eu me posiciono e me defino de forma diversa da dela em um assunto que, para ela, teria importância primordial. Tenho certeza que ela encontraria em mim uma conduta cristã condizente com a fé que ela me ensinou a ter, a despeito dos passos para trás dados por mim em relação à religião, e isso traria conforto e sossego ao seu coração.

E assim, ao final do dia, me senti aprovada e meu coração também está quentinho, sossegado e confortado. Ela ainda está aqui, em mim, e estará para sempre naqueles que eu gerei, mesmo naqueles que nunca a conheceram. Porque a gente é a gente, mas também é quem veio antes de nós.

Eu vou passar pelo espelho novamente quando for dormir e vou dar uma olhadinha na dona Arlete outra vez, e vou vê-la me dizendo que sim, está super orgulhosa de mim. Vou agradecer na minha alma e vou dormir em paz com a sua bênção.