Escrever se aprende escrevendo: exercícios de escrita criativa

Escrever se aprende escrevendo: exercícios de escrita criativa2021-04-07T18:09:13+00:00

Exercício 25: Resuma sua vida até aqui em 50 palavras

Não contei as conjunções, tá?

Resuma sua vida até aqui em 50 palavras

Nasci, cresci, envelheci. Brinquei, estudei, trabalhei, aposentei. Namorei, beijei, amei, noivei, casei. Virei mãe e avó. Sorri, chorei, cansei, descansei. Construí, desconstruí, reconstruí. Viajei, finquei raízes, fui e voltei. Insisti, persisti, resisti e desisti. Acreditei e desconfiei, ganhei e perdi. Menti e desmenti. Odiei e perdoei. Lutei e me entreguei. Vivi, criei vida e morri um pouco a cada dia.

By |June 23rd, 2021|Sobre mim|0 Comments

Exercício 24: Escreva uma história curtinha que comece pelo fim

É um exercício, mas também é um sonho…

Escreva uma história curtinha que comece pelo fim

Tudo pronto: sobre a mesa com a discreta toalha rendada em tom pastel, de um lado, o vaso com flores que trazem vida com suas cores fortes; ao meio, uma caneta bonita que desliza bem sobre o papel e favorece minha escrita e, na outra ponta da mesa, a tão sonhada pilha de livros para autografar.

Do outro lado da sala, um balcão arrumado para receber um pequeno buffet: garrafas de café, suco e água, alguns salgados e doces, taças de champagne para brindar, em petit comité, este que pode ser o momento mais esperado da minha vida nos últimos anos. Aqui em casa mesmo, com um grupo de amigos fiéis e amorosos que corajosamente se dispuseram a comprar e ler a linhas mal escritas da história que me dispus a contar.

Eu me arrumei também, de um jeito simples e casual – camisa, calça jeans e um salto baixo – na tentativa de disfarçar o nervosismo e de fazer de conta que, afinal, o evento é importante, mas nem tanto. Pura mentira, completa desfaçatez. Estou eu aqui travestida de uma nova personagem especialmente criada para esta ocasião: a escritora blasé e descolada.

As mãos suam só de lembrar o tempo que levei para acreditar em mim mesma, para decidir escrever a primeira página, reescrita mil vezes depois. Quantas telas em branco, ausência de ideias, indecisão na criação dos diálogos, na descrição das cenas… Qual o fim mais apropriado? Mato essa personagem ou não? Está profundo demais? Raso demais?  Foram muitas as crises e as lutas contra a famosa síndrome de impostora para chegar até aqui.

Certamente tive dias de inspiração fácil quando as palavras pareciam pipocar em uma sequência que, aparentemente, fazia pleno sentido. Esses dias eram mais leves, mais felizes. Mas, em uma grande parte desse processo, a inspiração deu lugar à disciplina, ao estudo, a um esforço de superação do vazio de ideias e ter como resultado algumas páginas ruins que, ao final, puderam ser revisadas e, muitas vezes, aproveitadas. Em alguns dias, exigia muito de mim mesma e o cansaço era pesado. Em outros, simplesmente, me entregava ao fluxo possível – grande ou pequeno e, agora,  aqui estou.

Me lançar nesse projeto abriu caminho para o meu auto-conhecimento: ajudou a entender meus sentimentos, minhas reações, a respeitar meus altos e baixos e, principalmente, a me manter focada para atingir o alvo que hoje tenho à minha frente. Sou uma pessoa muito diferente daquela que ousou colocar a primeira letra nessa história. Esse processo fez parte da minha vida, de quem eu sou hoje, e gratidão define.

Enquanto enxugo os olhos com cuidado para não estragar a maquiagem, escuto vozes do lado de fora da casa – está na hora! Me levanto rapidamente, respiro fundo e checo novamente a mesa coberta pela toalha rendada com meus livros empilhados e, enfim, sinto que tudo está onde deveria estar.

By |June 20th, 2021|Criatividade, Sobre mim|2 Comments

Exercício 23: Pense numa comida que você adorava quando criança. Escreva uma história que tenha esse prato como personagem principal.

Uma história com gostinho de infância…

“Domingo vamos ter nhoque!”

Esse anúncio da mamãe prenunciava um evento familiar do qual nunca vou me esquecer, era um verdadeiro ritual desenvolvido entre ela, eu e minhas irmãs. O preparo do “nhoque de domingo” envolvia diferentes etapas que eram realizadas em conjunto e que garantiam um sábado de trabalho e diversão para todas nós.

Primeiro, íamos à feira para comprar as batatas. Elas precisavam ser grandes e bem limpinhas, sem nozinhos ou manchinhas escuras, porque assim não precisaríamos “cavar” buraquinhos para retirar. Alguns ingredientes para o molho, como tomates bem vermelhinhos, cebola, alho e cebolinha, também vinham da feira.

Ao chegar em casa, minha mãe descascava as batatas, já que o uso da faca não era permitido para nós, crianças. Mas eu me lembro bem do quanto me senti empoderada ao descascar pela primeira vez anos depois, causando inveja e protesto das irmãs mais novas.

Enquanto a mamãe tirava as cascas do tubérculo, eu e minhas irmãs lavávamos os tomates e os verdinhos para o molho. À caçula cabia a tarefa de ir ao armário pegar outros ingredientes como a farinha de trigo, a latinha do extrato de tomate (que ela adorava por causa do elefantinho da embalagem), o sal, etc.

Batatas no fogo, folga para as meninas brincarem um pouco enquanto cozinhavam e esfriavam.  A próxima fase era uma das mais divertidas: hora de espremer os batatões! Mamãe cortava em pedaços menores enquanto a caçula buscava o espremedor – uma espécie de copo de metal cheio de buracos onde encaixava uma haste com a ponta redonda e achatada com a qual as batatas eram amassadas e os fiozinhos cozidos saíam pelos buraquinhos para dentro de uma tigela onde seriam acrescidos de ovos e farinha de trigo para formar a massa. Eu e minha irmã do meio nos revezávamos na ‘espremeção’ e, confesso, ela tinha mais força na mão do que eu e, por isso, se achava a campeã mundial da modalidade “espremedora de batatas”.

Mais um pequeno intervalo para as ajudantes mirins enquanto a massa era preparada. A uma certa altura, já maiorzinha, abria mão das brincadeiras com as meninas para observar o trabalho da mamãe e aprender como se faz um bom nhoque: “conforme a gente vai colocando a farinha, precisa provar o sal – a batata é chatinha pra salgar – vamos colocando aos poucos até ficar com o sal na medida. Outra coisa: a massa precisa ficar leve, por isso precisamos controlar a quantidade de farinha: nem menos para a massa não desmanchar no cozimento, nem mais para não cair como um tijolo no estômago”. Eu ouvia e olhava tudo com muita atenção.

“Meninas, hora de preparar a mesa”, e elas vinham correndo do quintal e eram levadas até a pia do banheiro para lavar as mãos antes de voltar ao trabalho. Essa etapa era a mais lambancenta de todas e deixava a mesa da cozinha interditada até a hora do almoço de domingo. A mesa toda era enfarinhada: do lado que a mamãe ficava, ela manipulava a massa com as mãos formando longos canudos que colocava um pouco mais adiante no lugar onde eu e minhas irmãs ficávamos com uma faca de mesa, apenas para ir cortando aqueles fios de massa e ir formando os cubinhos da delícia do domingo.

Enquanto uma de nós cortava, a segunda ia amassando os cubinhos levemente com um garfo e  a terceira ia polvilhando mais farinha de trigo por cima, para não colar na toalha que mamãe jogava por cima enquanto o nhoque ‘descansava’ até o dia seguinte. O molho era totalmente por conta da mamãe, que também já o deixava prontinho no sábado à noite, isso porque o domingo de manhã era religiosamente dedicado à escola dominical na igreja que frequentávamos como família.

Ao chegarmos em casa, famintos, a força tarefa era retomada, com as meninas passando os cubinhos para uma tábua de carne enfarinhada e levando até a mamãe para cozinhar, limpando os pedaços livres da mesa e, aos poucos, colocando pratos e talheres até que, enfim, ela estaria posta com uma linda travessa de nhoque ao molho bolonhesa cheio de queijo ralado por cima. Ah, quase ia esquecendo: o queijo era ralado em casa mesmo, naquele triângulo com diferentes lâminas de corte em seus três lados. Aos domingos tinha refrigerante na mesa também. Só aos domingos.

As facilidades da vida moderna acabaram me deixando um tanto preguiçosa e, hoje, não preparo mais o nhoque como aquele da minha infância. Não posso negar, entretanto, que cada vez que como um bom prato dessa massa, as lembranças gustativas são acionadas e, imediatamente, as boas recordações da minha infância enchem meu coração do conforto que essa receita me traz. “Comfort food”, eles dizem. E é isso mesmo o que o nhoque é para mim.

By |June 16th, 2021|Sobre mim|2 Comments

Exercício 22: Recuperando texto antigo

O texto de hoje foi um achado especial: um poema antigo escrito por mim na década de 1980 (provavelmente). Estava perdido dentro da caixa de fotos de família da minha irmã Ana Cláudia e, ao que tudo indica, um agradinho do universo: no post anterior eu mencionei que escrevia diários e tinha um caderno de poemas, lembra? E então me aparece essa folha rasgada e amarelada pelo tempo… Espero que vocês gostem de ler na mesma medida em que eu gostei de encontrar!

 

Se a lua é doce

Mais doce é a noite,

A noite de hoje.

Se o sol é mais quente

Mais quente que a gente,

Que a gente de hoje.

Então, é melhor parar e sentar

E olhar as estrelas,

Sentir seu fulgor.

É muito melhor deixar correr pela noite os sonhos,

Nossos sonhos de amor.

Se a vida é curta

Mais curta é a dor,

A dor de hoje.

Se o mar está cheio

Mais cheio que o mundo,

Enche o mundo de flor.

 

 

By |June 13th, 2021|Criatividade|0 Comments

Exercício 21: Escreva uma história iniciada com uma frase extraída de uma música brasileira de que você gosta

Escreva uma história iniciada com uma frase extraída de uma música brasileira de que você gosta

Ainda lembro o que eu estava lendo, só pra saber o que você achou dos versos que eu fiz, e ainda espero resposta. Estávamos na antiga sétima série e “Escaravelho do Diabo” era a leitura da vez nas aulas de Português: toda a turma precisaria ler e depois resenhar, como nota parcial da disciplina.

O que para muitos era um fardo, para mim, era um dos melhores exercícios para os meus estudos juvenis. Como era prazeroso ler toda a Coleção Vagalume! Ler sempre foi uma espécie de viagem para mim desde que, muito precocemente, aprendi a ler aos 4 anos de idade acompanhando uma prima mais velha em seus estudos na casa da vovó, onde ficávamos enquanto nossos pais trabalhavam.

As fábulas com suas lições de vida, os contos de fadas com príncipes, princesas e vilões… O universo literário me fisgou ainda bem pequena e me acompanhou durante toda a adolescência e juventude, quando fui atraída por histórias policiais mais densas, que instigavam meu raciocínio no empenho de solucionar os crimes relatados nesses livros (obrigada, Agatha Christie!).

O hábito da leitura expandiu meus horizontes de pensamento crítico, acalentou minha alma em muitos momentos de refúgio e me conduziu ao desejo de também rascunhar algumas linhas onde pudesse expressar sentimentos e ideias que habitavam dentro de mim. Comecei então, a escrever meus diários, relatando para mim mesma os acontecimentos do dia e colocando no papel toda a carga emocional que eles provocavam em mim.

Com o tempo, os diários deram lugar aos cadernos de poesia, de contos não acabados, de frases que ficavam registradas para um dia serem aproveitadas em textos que eu nunca escrevi. E, aos poucos, acabaram sendo esquecidos na idade adulta.

Mas aquele dia da sétima série ficou guardado na lembrança de uma forma muito especial. Ao entrar na classe, percebi uma colega de turma sentada em um dos cantos da sala, quase encolhida, envolta por uma tristeza tão densa que era quase possível de se pegar com a mão. Quando me viu, rapidamente começou a secar suas lágrimas e procurou sentar de forma ereta como se tudo estivesse, enfim, sob controle.

Ao final da aula, na hora do intervalo, fui até ela e perguntei se estava tudo bem e, apesar de ter o controle de suas emoções, ela respondeu que não, e me contou como se sentia sem dizer exatamente o que a deixava assim triste e desanimada. Logo em seguida, ela se levantou e saiu da sala para o intervalo.

E eu fiquei na sala, sozinha, pensando em como eu poderia sinalizar que eu estava ali, caso ela precisasse. Arranquei uma página do meu caderno ‘universitário’ e escrevi um poema sobre a tristeza, a amizade e sobre a vida. Deixei em cima da carteira dela e voltei para a minha, lanchando ali mesmo enquanto lia mais algumas páginas do livro até que os colegas voltassem para a classe.

Vi quando ela entrou, já mais animada e aparentemente leve. Não fiquei olhando para trás, apesar da curiosidade em saber qual seria sua reação quando lesse os versos que eu fiz. As aulas transcorreram até o seu final e, enquanto eu guardava minhas coisas na mochila, fui surpreendida por um abraço rápido e silencioso, mas cheio de gratidão. Nunca mais falamos sobre o assunto e acho mesmo que nunca mais nos falamos sobre nada. Ela não fazia parte do meu grupo de amigos, formava outra turma – a das ‘poderosas’ da sétima série – enquanto eu tinha amigas e amigos menos influentes, por assim dizer.

Mas, nas poucas vezes em que nos cruzamos nos corredores ou até naqueles círculos que os professores gostavam de fazer com nossas carteiras em suas aulas de vez em quando, eu podia ver a ternura com que me olhava, mesmo que fosse apenas por alguns segundos. E essa resposta, para mim, foi o bastante.

Música: Resposta, Skank.

By |June 9th, 2021|Histórias|0 Comments

Exercício 20: Imagine algo que você detesta: uma comida, uma tarefa doméstica, um tipo de roupa ou adereço. Agora faça um texto descrevendo de forma positiva e elogiosa essa coisa que você detesta como se quisesse convencer o leitor de que é algo bom.

Imagine algo que você detesta: uma comida, uma tarefa doméstica, um tipo de roupa ou adereço. Agora faça um texto descrevendo de forma positiva e elogiosa essa coisa que você detesta como se quisesse convencer o leitor de que é algo bom.

Quando ouço o barulho de uma máquina de cortar grama logo me vem à mente como é importante o cuidado com o espaço urbano. Penso em como ficam mais bonitos os lugares onde o mato foi cortado e as vantagens que um terreno limpo traz à população: menos insetos ou animais indesejados como roedores, por exemplo.

Às vezes desperto do sono bem cedo pela manhã com o som desse equipamento, inclusive aos domingos, e fico feliz por estar viva e ter mais tempo para aproveitar o dia acordada. Por fim, fico grata também por lembrar da geração de empregos que essa máquina proporciona aos cidadãos que as manejam pelas ruas e jardins pela cidade.

By |June 6th, 2021|Uncategorized|0 Comments

Exercício 19: Pense numa série ou filme que você assistiu recentemente e gostou. Escreva uma pequena sinopse para convencer outras pessoas a assistirem também.

Este texto foi escrito logo depois do meu aniversário em 2020, em meio à monstruosa pandemia de covid-19. Para quem não sabe, aniversario em 31/10 – o chamado dia das bruxas, então, resolvi maratonar filmes de terror e “Nós” foi o que mais me impressionou. Quem sabe te convenço a assistir, caso ainda não tenha feito isso 😉

Pense numa série ou filme que você assistiu recentemente e gostou. Escreva uma pequena sinopse para convencer outras pessoas a assistirem também.

E se você se deparasse com uma réplica sua e de sua família, com pessoas que tivessem vivenciado uma realidade oposta à sua: sem privilégios, sem oportunidades, sem liberdade? E se você fosse confrontado por essas pessoas? E se elas viessem dispostas a tomar o seu lugar e apropriar-se de tudo o que você é e tem? E se existisse uma realidade paralela onde vivessem esses clones ávidos por justiça e igualdade? O filme “Nós” retrata essa possibilidade sombria de forma extremamente envolvente e assustadora, em uma ficção de terror que nos leva a refletir sobre nosso lugar no mundo e em relação àqueles que são excluídos e vivem às sombras da sociedade. Ao mesmo tempo em que toca de forma profunda em um tema social bastante sensível, equilibra a história com momentos de forte tensão temperados com toques de humor que ajudam a trazer leveza e dar ao público a possibilidade de respirar um pouco em meio à densidade da história. Com um enredo inteligente, bem escrito e dirigido e com atuações brilhantes do elenco, “Nós” é um filme que deve se tornar um clássico no gênero que precisa ser assistido não apenas por todos os aficionados aos filmes de terror desta geração e das próximas, mas também pelo público em geral, por sua capacidade de retratar e denunciar a dinâmica social excludente e opressora em que vivemos e, muito provavelmente, ainda viveremos em épocas futuras.

By |June 2nd, 2021|Uncategorized|0 Comments

Exercício 18: Crônica de uma dor crônica

Este texto não é um exercício proposto na caixinha, mas faz referência a uma situação de enfermidade pela qual eu passei dias atrás. Nem tudo se refere a mim especificamente, mas tem muito do que já vi e vivi na sociedade em geral, onde o trabalho toma mais tempo do que deveria e suga a energia de quem está desatento. É uma crônica da dor da vida contemporânea: da minha e, talvez, da sua.

Crônica de uma dor crônica

Ela geralmente não tinha tempo para nada. Sempre ocupada, cheia de e-mails para responder, reuniões, aulas para preparar e para dar, coisas para ler e coisas para escrever. Café era o seu combustível, sua melhor desculpa para sair do laboratório por alguns segundos e andar uns poucos metros para buscar mais uma xícara enquanto pensava: “mais uns 3 e a caminhada tá paga”. Às vezes escolhia as escadas ao invés do elevador e, nesses casos, se achava quase uma maratonista.

Dormia mal. Não eram poucas as vezes em que acordava de madrugada num pulo, lembrando de um prazo qualquer para entregar um relatório disso ou daquilo. Já deixava seu notebook ao lado da cama facilitando a checagem e, se o pressentimento fosse confirmado, o resto da noite seria usado para trabalhar naquilo.

Ao lado da cama ficava também sua caixinha de remédios diários que incluía: ansiolíticos, analgésicos para diferentes finalidades, algumas vitaminas, colágeno e, claro, mais um comprimido que garantisse que seu estômago aguentaria tudo isso. Mas, estava ali também o melhor de todos, o seu preferido, o queridinho das noites dormidas: o delicioso calmante para dormir. Não podia mais viver sem ele.

Aquela “baguinha” era a responsável por ela ainda dar conta da louca agenda de cada dia. Só ela a fazia desligar quase instantaneamente, literalmente hipnotizada e pronta para cair em sono profundo por algumas horas. Benditas horas em que se transformava num tipo de Alice em seu próprio país das maravilhas, onde parecia flutuar, assim como as coisas ao seu redor. Coisas essas, aliás, que ela encontrava em lugares improváveis no dia seguinte sem ter a mínima ideia de como tinham ido parar ali…

Em uma manhã peculiar, apesar de o efeito daquele incrível remedinho já ter passado há um bom tempo, ela se flagrou olhando pela janela, distraída como se ainda fosse Alice, vendo os carros passarem com pressa no asfalto enquanto as folhas das árvores se moviam lentamente com a brisa tranquila de outono pelo céu acinzentado. Chegou a pensar na ironia desse encontro entre correria e calmaria nessa típica cena cotidiana, mas foi interrompida em seus pensamentos por um incômodo raiozinho de dor que atravessou seu abdômen. Foi inédito, rápido e firme, assustando por sua inesperada existência e aliviando, ao mesmo tempo, por tamanha rapidez.

Olhou para o celular e checou a hora, arrependida por ter gasto aqueles preciosos minutos na janela: “droga, não vai dar tempo de tomar um café decente. Justo hoje que pretendia usar o horário do almoço para terminar aquele artigo! Vou ter que almoçar…”

Juntou sua pesada pasta de laptop, pendurou a bolsa no ombro e seguiu a passos rápidos até o elevador enquanto comia uma maçã e mandava uma mensagem pelo whatsapp – “atrasada, mas a caminho”. E apagou ali mesmo, dentro do elevador que descia para o térreo.

Depois disso, o que ela sentiu foi todo o peso do silêncio e da escuridão de eternos minutos. Alice novamente, mas não de um jeito bom. Era agora uma Alice que corria sem sair do lugar, que abria a boca sem voz para gritar por uma ajuda que não existia, com olhos que giravam no escuro procurando por uma luz que não havia.

Até que, de repente, sentiu o corpo chacoalhar como se voasse sem controle e ouviu um barulho estridente como o de um bando de aves inespecíficas que gritavam sem parar. Quando, enfim, conseguiu abrir os olhos, viu-se dentro de uma ambulância que costurava os carros na mesma avenida que via de sua janela.

Os dias que se seguiram foram de muitos exames de laboratório e imagem, litros e mais litros de soro, analgésicos, antibióticos, fome, papinhas sem gosto, náuseas e noites insones cheias de pensamentos confusos, interrompidos a cada duas ou três horas pela chegada dos medicamentos das madrugadas. Novamente Alice, que agora fazia perguntas nas encruzilhadas que surgiram em sua mente, perguntas sem resposta, já que não sabia onde queria chegar. Sobravam preocupações quanto ao futuro, toneladas de medo e incertezas surgidas por causa das inesperadas dores. Como andavam as coisas na universidade? Perderia muitos prazos e reuniões importantes… E suas aulas? Seus orientandos e orientandas? Sua pesquisa? Que transtorno…

Mas o passado também povoava seus pensamentos intranquilos e isso era o que mais a torturava. “O que foi que eu fiz com a minha vida? Como me deixei envolver num ritmo alucinante de atividades a ponto de esquecer de mim?” Lembrou que, há anos, seu trabalho ultrapassava em muito as horas para as quais havia sido contratada a atuar. Mesmo quando estava fora da faculdade, as paredes do seu laboratório pareciam se estender definitivamente ao seu redor por onde quer que fosse, pois, sempre havia uma mensagem importante, um email que tinha que ser respondido, um telefonema urgente para atender e, dessa forma, trabalhava em um disfarçado regime de escravidão. Parecia agora uma Alice pequena, minúscula diante dos desafios da vida, afogando-se em suas próprias lágrimas.

Num misto de culpa pelo passado e insegurança quanto ao futuro e, em meio a todo esse turbilhão de pensamentos, lembrou-se daqueles instantes na janela naquele dia em que a dor física se manifestou. A lembrança daquele momento, no contexto em que se encontrava, assumiu a conotação muito mais de um lampejo, uma visão de um futuro melhor no qual a contemplação deixaria de ser um arrependimento para se transformar num estilo de vida que sustenta e impulsiona todo o resto.

Ela, então, olhou para o soro pingando devagar e passando pela veia de borracha até entrar em suas veias de sangue e decidiu que era hora de mudar de atitude. O plano inicial era concentrar todos os seus esforços físicos, mentais e espirituais para trazer a cura que precisava naquele momento e sair do hospital. Fora de lá, sabia que teria que lidar para sempre com o que lhe causava a dor física e que, para que ela não voltasse com a mesma força, sua alma e coração também precisavam estar saudáveis.

Faria uma profunda revisão em sua agenda, limitando com firmeza seu horário de trabalho. O susto lhe fez, finalmente, acordar para o fato de que a sua mão de obra é substituível mas que sua vida não é. Ajustes precisariam ser feitos e, para isso, teria que ignorar a falsa culpa de trabalhar apenas as horas contratadas e aprender truques para continuar produtiva, administrando sua energia. Faria refeições saudáveis nos horários apropriados, aprenderia a dizer “não” para evitar abusos e, principalmente, contemplaria mais.

Incluiria momentos de descanso e lazer, mas também prestaria mais atenção ao sol aquecendo seu rosto no carro a caminho do trabalho, ao canto dos pássaros pela manhã e, definitivamente, teria um pet para acariciar e cuidar.

Entendeu, também, que a dor crônica da alma precede a do corpo e que são poucas as pessoas que se dão conta disso, embora sejam tantas em sofrimento. Devagar, levantou-se carregando o soro e foi até a janela, de onde viu outra avenida com carros em movimento que também tinham como pano de fundo algumas árvores que balançavam dançando com o vento. Voltou para o leito, fechou os olhos e dormiu tranquila sem a ajuda daquele comprimidinho, outrora imprescindível – o primeiro passo no processo de desapego que tinha pela frente. Alice estava pronta para ir para casa.

By |May 30th, 2021|Histórias|0 Comments

Exercício 17: Imagine uma porta fechada. O que está atrás dela? Escreva um texto de 3 parágrafos sobre a primeira coisa que você pensar.

Imagine uma porta fechada. O que está atrás dela? Escreva um texto de 3 parágrafos sobre a primeira coisa que você pensar.

Está bem ali, ao alcance da mão. É só girar a maçaneta e pronto! Parece fácil e, na verdade, é mesmo… Por que então hesito tanto? Por que tanto medo, tanta ansiedade? Por que não abro logo essa #%$&* de porta se eu já sei o que está do outro lado?

Todo santo dia esse drama, esse dilema, essa neura… Nem parece que já abri aquela outra atrás de mim e tantas outras antes dela. Que covardia, mulher! Cadê a tua fé? Cadê tua força? Cadê tua ousadia? Vai lá, respira fundo, solta a musculatura, dá mais um passo e bota a mão nessa bendita maçaneta. Vamos lá, no três: um, dois…

Três! Pronto, mais um dia começando, nada demais. É só o futuro atrás de cada porta à sua frente. Assustador, eu sei… Não dá pra prever o que virá, por mais que se planeje. Por isso é tão custoso abrir uma porta de cada vez, um dia de cada vez. Mas é assim mesmo que se faz. Agora vai e segue em frente, tem outra porta logo ali mais adiante.

By |May 26th, 2021|Criatividade|0 Comments

Exercício 16: Imagine que você é alguém que conhece você muito bem. Escreva um texto sobre você, como se você fosse essa outra pessoa

Imagine que você é alguém que conhece você muito bem. Escreva um texto sobre você, como se você fosse essa outra pessoa

Bom dia, Elisa, como está você? Não, não me responda. Eu sei como você está só de olhar pra você. Sei pelos seus olhos, pelo jeito que seu cabelo está arrumado ou desarrumado, pela sua postura.

Hoje você está cansada. Não de um cansaço físico, fruto de um esforço qualquer de seus braços e pernas. Seu cansaço vem de dentro, vem da sua mente, vem da alma. Eu sei disso porque conheço sua luta interior. Eu sei que você acorda todas as manhãs decidida a fazer um dia melhor para você e para os outros. Você lê a Bíblia, ora e medita buscando alimentar seu espírito e trazer luz para o dia que começa. Faz Tai Chi e se dedica em criar bons pensamentos pra deixar a vida mais bonita primeiro de dentro pra fora.

Depois se prepara pra deixar as coisas melhoras de fora pra dentro, arruma as coisas ao seu redor, deixa a casa mais limpa e mais cheirosa. Tira as coisas do caminho pra não tropeçar e cair, fecha as portas pra não esbarrar nos móveis e portas de seu pequeno espaço de trânsito e, assim, tentar não deixar os braços cheios de marcas roxas de batidas evitáveis. Você liga o som e dança enquanto cozinha e perfuma a casa de temperos e aromas.

Você se assenta à mesa com um misto de gratidão e culpa: é grata por seus privilégios, mas sabe que às vezes abusa deles e foge da balança pra não ver os números crescentes que ela mostra. Sente culpa e tristeza também pelos que não tem nada em suas mesas. Busca formas de ajudar algumas dessas pessoas, e faz isso do seu próprio sofá, com doações possíveis pela internet.

Tem feito isso com mais frequência agora que não sai de casa nessa eterna quarentena que poucos levam a sério no seu país. Sei que você está com medo da doença mas, como eu te conheço bem, sei do medo que você tem das pessoas em geral. Elas não são confiáveis, elas mentem, te traem pelas costas, invadem seu espaço. Ao mesmo tempo desconfiam de você, desacreditam do seu potencial e das suas intenções, te acham desonesta e se afastam de você. E você concorda com elas em muitos momentos…

Relacionamentos são difíceis pra você: você é tímida, fechada, introvertida. Tem poucos amigos e amigas, já que você não consegue se calar diante daquilo que acha errado e injusto, e essa é outra característica que deixa sua luta interior ainda mais acirrada. A decisão entre calar e falar é sempre uma batalha difícil. Você aprendeu muita coisa a esse respeito, suas crises te ensinaram a escolher a forma mais suave de dizer e o momento mais tranquilo para abordar. Mas, se tem uma verdade que insiste em aparecer todas as vezes em que você se posiciona de forma contrária a algo ou a alguém é esta: a forma suave e o momento certo não existem – ninguém gosta de ser cobrado ou contrariado. Nunca. Nem você.

Foi mais fácil, então, se afastar e deixar as relações no nível superficial. Você até que é bem humorada em boa parte do tempo, é inteligente e faz comentários divertidos. Estava indo bem em manter as coisas assim até um certo verme tomar posse em Brasília e, algum tempo depois, um vírus se espalhar pelo mundo. Aí então o ambiente de morte te pegou de jeito, te cercou por todos os lados e, então, aquela sombra escura que está dentro de você (e está dentro de todos, eu sei), cresceu quase que de maneira incontrolável.

E essa sombra tem o poder de tornar gigante o medo que você tem de você mesma: ela diz que você não faz o bastante, não sabe o bastante, não crê o bastante. Ela te diz que você é uma fraude em muitos sentidos, que erra mais do que acerta e que, mesmo sendo um lixo, ainda tem o topete de se achar melhor do que os outros. Essa sombra te lembra o quão egoísta e insensível você é, além de ser ingrata, pois não merece nada do que tem. Ela te diz que você é muito negativa, tóxica. E o que está por dentro de você nada mais é do que um eco do que você vê e ouve por fora. E vice e versa, num amálgama sem fim.

E em meio a essa guerra entre a luz e a sombra que te cercam e te inundam por dentro e por fora, você agora se sente sozinha: ao seu redor, quase ninguém te entende e ninguém quer te ouvir e, por dentro, a nuvem escura quer engolir seus pensamentos, seus sentimentos, seus sonhos e planos. E, por isso, você está cansada, esgotada, entregue.

Todos os dias você se esforça para lançar mão de tudo o que você conhece sobre Deus, sobre a vida, sobre paz, sobre amor e sobre o bem que você tem em si mesma para usar as armas certas e vencer a escuridão interna que deseja te fazer cair e a boa notícia é: você está conseguindo. Embora não pareça em alguns momentos, você está vencendo um pouco a cada dia.

Eu te conheço e sei que você tem tudo o que precisa para ser feliz, “um dia depois do outro”, bem desse jeitinho que você escreveu na porta da sua geladeira há tanto tempo atrás. Você já sabia que a luta era diária e que ela não era só sua. Quero te dizer que você está no caminho certo, você é forte e usa o que aprende a seu favor. Quero te pedir que continue acreditando em si mesma, em Deus e nas pessoas que sabiamente tem escolhido para que te acompanhem na jornada.

Não se culpe por serem poucas, elas são suficientes, são as certas e não vão te abandonar, assim como você não irá abandoná-las nunca. Eu te conheço e sei que você é fiel àqueles que andam com você ou que, de alguma forma, precisarem de você na caminhada. Você é fiel às suas crenças e seus valores.

Embora esteja cansada hoje, você sempre sabe onde encontrar os “pastos verdejantes e as águas tranquilas” que te restauram. Você se renova todos os dias e é assim que a vida segue. Eu te conheço bem, você é vencedora. Mais que vencedora, aliás.

Bom dia, Elisa.

By |May 19th, 2021|Sobre mim|0 Comments

Exercício 15: Escreva um texto com 30 frases em que cada uma delas comece sempre com a segunda palavra da frase anterior

Escreva um texto com 30 frases em que cada uma delas comece sempre com a segunda palavra da frase anterior

Parecia um dia normal como qualquer outro. Acordei no mesmo horário de sempre, como de costume tomei meu café e comi uma torrada com requeijão, liguei a tv.

Ignorei solenemente um sinal que tentou me mostrar que o dia poderia ser qualquer coisa menos normal: gorgeio de pássaros na minha janela? Onde moro isso é muito raro, normal mesmo seriam sirenes de polícia ou de ambulâncias. Os carros que buzinam na avenida costumam me acordar antes mesmo do alerta do meu celular!

Sempre me perguntei como seria morar num lugar silencioso e tranquilo… Era uma sensação tão boa que essa atmosfera me envolveu por alguns segundos até que a campainha da porta tocou me trazendo de volta à realidade.

“Rápido, Elisa!” Abandonei meu café pela metade em cima da mesa e disparei escadaria abaixo com minha vizinha me puxando pelo braço numa urgência que eu era incapaz de entender.

Bastou chegarmos na entrada do prédio para constatar que o que estava estranho ficou bizarro: avistamos uma rua totalmente despovoada: vazia! Ambas ficamos atônitas olhando para uma rua deserta onde apenas pássaros coloridos cantavam e nenhum ser humano (além de nós) era avistado. Máquinas também não existiam ali. A visão dessa rua deserta cujo silêncio era quebrado somente pelos assovios doces dos passarinhos nos deixou pasmas em pé na porta do prédio por um bom tempo…

“Vera, isso é real?” Eu não podia crer no que meus olhos viam e precisei perguntar em voz alta para conferir. Um único gesto de levantar os ombros meneando a cabeça sem saber o que responder foi o que Vera conseguir me dar como resposta quando percebemos que até mesmo o som dos pássaros havia cessado e o silêncio mais absurdo se instalou ao nosso redor. Medrosa e lentamente voltamos nossos olhos para a rua e sentimos que o tempo havia parado à nossa volta.

Esperamos alguns segundos para constatar que era realmente isso o que estava acontecendo. Subimos aos gritos e voando escadas acima de volta ao meu apartamento. Um pavor indescritível havia tomado conta de nós quando, magicamente, a rua voltou ao seu normal. Ruído dos motores e buzinas voltaram a preencher o vazio de som de instantes atrás.

Uma sensação mista de medo e paz nos levou a concluir que esse mundo barulhento é parte da vida que levamos e que aquele silêncio nos mostra que a vida precisa de pausas e isso pode ser muito assustador.

Meditamos um pouco sobre isso em silêncio e enquanto nos despedíamos com um abraço apertado ouvi uma sirene quase ensurdecedora que me fez pular da cama e entender que tive o sonho mais bizarro da vida e que o dia havia começado de verdade só agora.

Estava saindo para trabalhar ainda um tanto pensativa quando encontrei Vera parada com o rosto para fora da porta do prédio como quem investiga se é seguro sair dali. Sensivelmente atingidas por um choque mútuo de dèja vú, entrecruzamos olhares e inclinamos a cabeça em um tímido cumprimento para logo sairmos pela rua em passos rápidos sem nos atrever a levantar os olhos do chão.

By |May 16th, 2021|Criatividade|0 Comments

Exercício 14: Peça que alguém diga 10 palavras aleatórias. Encaixe-as da melhor forma possível em um texto de no máximo 100 palavras

Esse texto foi escrito com a ajuda de pessoas queridas que me trouxeram suas palavras escolhidas aleatoriamente. Pessoas que a vida me trouxe talvez de modo aleatório, mas que, se hoje são meus amigos, é porque foram escolhidos a dedo. Minha gratidão ao Toni, à Ro, à Fernanda, à Marcela e ao Robinson. Esse texto é de vocês também!

Peça que alguém diga 10 palavras aleatórias. Encaixe-as da melhor forma possível em um texto de no máximo 100 palavras

Um amor inédito, sem promessas nem cobranças, rasgado de alegria e liberdade, bagunçou a casa organizada do meu coração. Incrédula, preferia me manter segura e cética num pacote lacrado por um zíper pelo lado de fora, acreditando estar imune a esse baile de amores onde a moda é se entregar às paixões instantâneas.

Ilusão! Esse amor rompeu meu casulo e fez ventilar uma irresistível brisa que me despertou da inércia de uma alma sem carinho e esperança. Hoje danço apaixonada o tango rocambolesco daquele amor poético capaz de ser “eterno enquanto dure”, rodopiando feliz na insegurança dos amores súbitos!

By |May 14th, 2021|Criatividade|4 Comments
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